terça-feira, 2 de outubro de 2018

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quinta-feira, 21 de junho de 2018

Empoderamento feminino em grau máximo. Quem resiste?



Elas chegaram. Na realidade sempre estiveram por aí.
  1. São militares, dominando um dos últimos redutos masculinos.
  2. Não dependem de ninguém, apenas delas mesmas.
  3. São invejadas.
  4. São temidas.
  5. Elas deram poder ao marido, e não o contrário.
  6. São capazes de amar e de chorar. Ou de matar, se necessário.
  7. São guerreiras, cada uma em sua especialidade.
  8. A Imprensa as persegue.
  9. Não precisam, e nem querem, parecer homens.
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domingo, 13 de maio de 2018

Três folhas


Três folhas



Por Clóvis Nicacio

Aniversários não deveriam ser dias tristes e solitários. Aquele amanheceu como qualquer outro. Nada de diferente no sol, no vento, na rua ou até onde conseguia enxergar dentro do quartinho pequeno. O pai saiu para trabalhar antes mesmo da escuridão desaparecer. Sem o ronco dele, o silêncio só não se instalou aterrador por causa dos piados dos passarinhos lá fora. Mas o menino sentia, mais do que via, uma diferença. Depois dessa data estaria oficialmente com 12 anos.
Desde que a mãe morreu, há dois anos, achava que nunca mais saberia o que era um aniversário. Ela sabia. Dizia que o melhor aniversário era quando se podia escolher o presente. Ainda se lembrava de quando o deixou escolher um bolo, e a mãe conseguiu arranjar um pedaço, Deus sabe como. Mães sempre conseguem tudo.
Sozinho no quarto, permaneceu deitado. Num sábado sem aula e sem missa de domingo, levantar mais tarde era um presente que podia escolher. Pena que não era folga para o pai. Já devia estar trabalhando na gráfica, do outro lado da cidade. Depois do trabalho normal, completaria o dia fazendo horas extras, como em todos os sábados depois que ficou viúvo. Mas no dia seguinte iriam juntos para a missa.
Morar no subúrbio tem suas vantagens e desvantagens. A Igreja na mesma rua era bom, mesmo com o barulho dos sinos, mas a gráfica ficava longe. O pai só voltaria quando estivesse escuro novamente.
Só viu o presente quando se levantou. Três folhas de papel sobre a mesa, ao lado de um toco de lápis. Branquíssimas, como se tivessem sido feitas das penas tiradas das asas de um anjo. Só podiam ser uma surpresa deixada pelo pai. Quer dizer que ele se lembrou!
Ler e escrever eram as únicas diversões possíveis, para um menino vivendo sozinho com o pai. Ficava horas no porão, todos os dias, lendo e relendo tudo o que conseguia pôr as mãos. Livros, revistas, jornais velhos. Adorava a Bíblia, por ser o livro maior. Quando tinha algum papel, escrevia, inventando personagens, mudando as histórias, criando aventuras. A mãe havia ensinado a sempre melhorar, se aperfeiçoar a cada parágrafo, assimilando o que outros haviam feito. Essa vida eremita o afastava das outras crianças, fossem da escola ou da igreja. Era visto como um esquisito, branquelo, magérrimo, um antissocial sem amigos. Só o Padre e o pai o apoiavam, depois que a mãe se foi. Ela o chamava de futuro escritor.
Não havia pedido aquele presente, mas adorou. Sentou-se, pegou uma das folhas e começou:

Hoje é meu aniversário de 12 anos. Não tenho amigos para comemorar comigo. Deve ser melhor assim, já que eu não saberia o que fazer. Se pudesse escolher, pediria um bichinho. Não, para compensar todos os outros aniversários, seria melhor um bichão. Queria ter um leão, igual aqueles dos romanos. Eu seria respeitado por todos os outros garotos.

Estava contemplando a folha, pensando no que mais poderia encaixar, quando um enorme barulho fez a casa estremecer. Tão alto como se viesse de dentro da casa. Correu para fora do quarto, curioso e assustado. A porta da sala, a que dava para a rua, continuava fechada. Para o outro lado, na direção da cozinha, não havia porta, mostrando que o cômodo anexo estava vazio. Só restava o banheiro e o porão. Caminhou alguns passos, atento a qualquer novo ruído, até a porta do porão. Só ouvia o próprio coração, disparado. Até os passarinhos haviam se calado. Ao olhar para baixo, viu dois reflexos lá no fundo, iguais aos olhos de um animal o encarando. Prestando atenção, viu a juba do enorme felino delineada pela pouca iluminação. Conseguiu fechar a porta no momento exato em que o animal disparou em sua direção, emitindo um novo rugido ensurdecedor. Ouviu poderosos arranhões no lado de dentro da porta, depois do leão conseguir subir pela escada estreita. O peito estava quase explodindo.
Não conseguia entender como um bicho daqueles estava no porão. O pai jamais deixaria um animal selvagem de presente, sem avisar nada. A não ser que... Será possível?
Voltou correndo para o quarto. As folhas continuavam sobre a mesa. Amassou aquela usada, jogou no lixo, pegou outra em branco e escreveu:

Hoje é meu aniversário de 12 anos. Não tenho amigos para comemorar comigo. Seria muito bom se tivesse pelo menos um, alguém corajoso que me ensine a domar leões. Como o Daniel da Bíblia, aquele que ficou vários dias entre as feras, sem sofrer nenhum arranhão.

Deitou a folha na mesa. Ficou ouvindo, atento. Os arranhões na madeira cessaram. Mais alguns minutos e escutou batidas na porta. Podia ser algum vizinho incomodado pelo barulho. Foi para a sala.
As batidas não vinham da porta da rua, mas da que fechava o porão. Sem os rugidos e arranhões conseguiu juntar coragem suficiente para abrir a porta e olhar para dentro, com o coração disparado de novo.
Um rapaz com roupas estranhas o encarava, ainda mais assustado do que ele.
— Onde estou? É isto o inferno?
— Não, é só o porão da minha casa. Já domou o leão?
— Que leão? Que castigo é esse que me aplicas?
— Você é o Daniel, não é? O que foi atirado na cova dos leões e foi protegido por Deus.
— Esse é meu nome, mas nada sei do que falas. Fui condenado à cova dos leões pelo Rei Dario, mas quando fecharam a tampa da cova me encontrei nesse lugar estranho.
— Foi um engano da minha parte. Sei como consertar. Não saia daí. E não tema os leões, eles não farão nada com você. Deus não vai deixar.
Fechou a porta e correu para o quarto. Amassou a segunda folha, atirando-a para o lixo, para junto da primeira. Pegou a terceira, escrevendo com dedos trêmulos.

Hoje é meu aniversário de 12 anos. É um dia especial quando posso escolher meu presente. O dia de confessar e pedir perdão pelos meus erros. Perdão por não ter feito amigos. Pelas minhas escolhas erradas. Prometo que vou ouvir conselhos. Que não farei manhas, mas não sei se consigo evitar chorar. Vou cumprir minhas penitências, todas elas. Posso ter meus cabelos revirados, vou rir junto quando receber cócegas, vou obedecer sem questionar. Para fazer tudo isso, só o que peço é passar esse dia com minha mãe.

Dobrou a folha cuidadosamente, guardando-a dentro da Bíblia. Depois desceu correndo para o porão, com os olhos embotados e o peito perto de explodir, tentando não tropeçar nas lágrimas.
As folhas não foram um presente do pai.