É um trecho de terror leve, para os desavisados. O livro continua sendo escrito, para lançamento em breve.
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Segue o trecho:
O sequestro
Noites
de sábado são especiais. As pessoas estão desesperadas para se libertarem, como
se o mundo fosse acabar no domingo, sempre deixando a horrível impressão de
recomeçar pior na segunda. Vale tudo para tentar mostrar a ilusão de continuar
vivo: festas de aniversário, de casamento, cinemas, restaurantes, barzinhos,
baladas, ou qualquer lugar que tenha uma fila para entrar.
Existem
aqueles que estão alijados disso tudo, como se o mundo nunca tivesse começado.
Seja por falta de dinheiro ou por falta de emprego, sinônimos para a mesma
inexistência de vida. Em alguns casos por falta de opção. Gê sempre esteve numa
dessas três alternativas.
Nos
últimos meses, com Ducarmo viva, o sábado era a noite dela faturar, pegando
incautos com algum dinheiro, no puteiro. Ele sempre ficou de fora, aproveitando
para fazer horas extras quando estava empregado, como aconteceu nos últimos
seis meses trabalhando no posto de gasolina. Em todos os lugares, era sempre uma discussão. Todos os chefes se
recusavam a pagar o fim de semana como horas extras, querendo trocar o período
por folgas em segundas ou terças sem graça, pretendendo deixar os sábados e
domingos como dias normais. Várias vezes a discussão chegou perto da
pancadaria.
O
físico avantajado e o jeito sempre violento auxiliavam a chegar num acordo. Na
maior parte das vezes, os patrões amedrontados aceitavam pagar algum dinheiro
por fora, convencidos de que era a melhor forma de proteger os próprios
narizes.
Outra
vantagem de trabalhar nas noites de sábados eram as prostitutas que apareciam
de madrugada, algumas cansadas, outras bêbadas e muitas drogadas. Sempre rendia
uma diversão a mais, no fim do turno. Até os travestis podiam ser divertidos,
com aqueles gritinhos agudos, nas noites mais irritantes.
Esta
noite de sábado prometia ser horrível, sem Ducarmo e sem o emprego. O obrigava
a arrumar diversão do jeito antigo. A dica da secretaria do jornal parecia
perigosa. Tinha tudo para ser uma armadilha, carente de confirmação.
Saiu
da casa de Ducarmo logo que escureceu, tomando todo o cuidado para não ser
visto. Seria uma questão de tempo até a polícia aparecer por ali. O ferro velho
ainda se mostrava o esconderijo mais seguro, já que os traficantes negociavam
para manter a polícia longe. Foi conferir como estava o local, treinando a nova
habilidade de correr e se esconder por cantos escuros.
Não
havia nenhuma evidência de visitas indesejadas, resultado de sempre ter sido
discreto. Das pouquíssimas pessoas que conheciam o quartinho nos fundos, duas
jamais abririam o bico. Bolassete e Ducarmo já não significam nada. Podia
continuar escondido no pardieiro por mais alguns dias. Na parte da frente, a
oficina de desmanche de carros estava parcialmente desocupada. Há muito tempo ninguém
trabalhava ali. Arrumou as peças espalhadas para melhorar o espaço. Usar a nova
força física provocava um prazer nunca imaginado, permitindo levantar até as
peças mais pesadas com facilidade.
Depois
seguiu para o Shopping próximo, levando só uma ferramenta, a necessária, sem nem
pensar na condicional. A esta altura, nada mais importava. Se algum tira
aparecesse, sabia como se livrar do enxerido. Bastava usar as habilidades recém
adquiridas. Jamais voltar para a cadeia se apresentava como outra sensação
prazerosa.
O
estacionamento do Shopping se assemelhava a uma prateleira de supermercado.
Havia muitas opções de modelos, cores e potências. Não precisava de muita
coisa. Quanto mais despercebido pudesse passar, melhor.
Usou
a gazua na porta de um carro popular, de cor prata, escolhido por ter um
bilhete de estacionamento à vista, abandonado no painel. A mesma gazua foi
usada para ligar o automóvel. Precisou pagar o bilhete, na saída mais distante
do local da coleta, reduzindo a chance de cruzar com o proprietário.
Fazia
muito tempo que não dispunha de um carro para uma diversão noturna. A sensação
de liberdade era extasiante.
Seguiu
para os bairros vizinhos, apenas observando o movimento noturno. Pensava em
quantas vezes fez o mesmo roteiro, procurando por lugares onde beber um pouco,
até a noite avançar criando mais bêbados. Tomava só o suficiente para dar
coragem. É muito mais fácil assaltar quem já está debilitado por várias doses
de álcool. Só precisava escolher as vítimas corretas, as que conseguiam manter
um pouco de dinheiro disponível.
Houve
uma vez em que exagerou um pouco, ficando mais bêbado do que pretendia. A
vítima reagiu, ao notar como o revolver estava em mãos tremulas. Nem tinha
visto os policiais próximos, despercebidos em consequência do álcool. Foi preso
em flagrante, enquadrado no Artigo 157. Três anos até conseguir uma condicional
para poder voltar às ruas. Faltava cumprir mais dois.
Não
era isso que justificava o desinteresse por bares, nesta noite. Simplesmente
sentia-se saciado, satisfeito apenas por ver pessoas vivas, de sangue aquecido.
Passava por todos os locais dirigindo devagar, sem intenção de parar, como
muita gente nos corredores dos shoppings caminham só para ver as vitrinas.
Passou
numa Pizzaria conhecida, comprando duas pizzas acompanhadas do refrigerante de
2 litros oferecido como brinde. Um hábito antigo, que não sabia se conseguiria
se livrar. Duas horas depois de iniciar o passeio, chegou ao endereço.
Conseguiu uma vaga para estacionar defronte ao prédio, numa área escura,
excelente para o caso de uma fuga emergencial. Depois do episódio da garrafa em
câmera lenta, havia deduzido que podia passar correndo pelos locais onde não
queria ser visto, principalmente onde não havia esgotos e mato servindo de
esconderijo. Uma corrida no momento em que a porta da frente foi aberta e
chegou ao hall dos elevadores, sem que o porteiro ou qualquer outra pessoa o
visse. Mais uma habilidade a ser explorada nos futuros assaltos.
Chegou
ao andar rabiscado no pequeno pedaço de papel, quando falou com a secretaria,
sem nenhum contratempo. Embora se lembrasse do endereço sem precisar ler nada.
Pensou em tocar a campainha, mas isso poderia afugentar a vítima. Ainda estava
com a gazua no bolso.
Entrou
no apartamento silenciosamente, fechando a porta por dentro. A
pequena sala estava com as luzes apagadas, mas não totalmente escura. Luzes
bruxuleantes e algumas vozes abafadas saíam da TV ligada no quarto mais
próximo.
Um
cheiro forte e conhecido o recebeu. Nem precisava de olfato aguçado para
reconhecer o fétido odor de vômito misturado com álcool. A mulher deitada no
sofá nadava numa poça produzida por ela mesma. Um copo e um litro de uísque
barato, ambos vazios, jaziam no chão. Ducarmo havia sido encontrada
muitas vezes na mesma situação, com a única diferença de que a bebida não era uísque.
O ronco da mulher, em espaços ritmados, se sobrepunha ao barulho que vinha do
quarto.
Aproximou-se
da mulher. A enorme mão se fechou sobre a garganta babada, calando o barulho
irritante para sempre. Não estava com sede e mesmo que estivesse, o gosto
daquele sangue devia ser horrível. O cheiro não ajudava.
Esgueirou-se para o quarto próximo.
Um
menino deitado assistia algum filme da programação noturna, provavelmente
proibido para a idade que aparentava. Dois olhinhos assustados o encararam.
Falou baixo, como se não pretendesse acordar mais ninguém.
— Tem
mais alguém aqui? Onde está a escritora?
— Quem?
— A
mulher do jornal que está cuidando de você.
— Nenhuma
mulher cuida de mim. Só tem eu e a minha mãe. Ela está dormindo na sala.
— Porra,
eu devia saber que era mentira. Levante-se, vamos dar um passeio.
O
garoto se encolheu, tremendo.
— Não
vou te fazer nada, pode vir. É só um passeio. Sua mãe não vai acordar antes do
dia nascer, pode confiar. Depois te trago de volta para ela.
— Aonde
vai me levar?
— Para
uma oficina de carros muito legal. Você vai me ajudar a fazer um conserto. Eu
sou mecânico de carros. Pode me chamar de Alemão. Qual o seu nome?
— Zacharias.
— Legal,
Zach. Vista-se e pegue uma blusa. Lá fora está frio.
— Minha
mãe sabe desse passeio? De noite?
— Sabe,
mas ela deve ter se esquecido de falar. Foi ela que me pediu para vir te
buscar.
— É,
ela sempre se esquece de tudo.
— Não
vamos acordá-la só por causa disso. Deixa ela descansar para melhorar. Acho que
ela passou mal.
— É
a terceira vez essa semana. Depois eu é que tenho de limpar tudo.
O
menino estava se acalmando, sem desconfiar de nada. Pegou algumas roupas num
armário e foi se trocar no banheiro. Gê aguardou no quarto, onde o mal cheiro,
um pouco mais fraco, não incomodava tanto.
Zach
voltou vestindo um agasalho escolar, com capuz. Passou pela sala com cuidado
para não sujar o tênis, acompanhando o estranho para fora do apartamento,
evitando importunar a mãe anormalmente silenciosa. Estava acostumado com homens
estranhos em casa, mesmo antes do pai ir embora, mas esse foi o primeiro de
quem recebeu atenção.
No
elevador enquanto desciam, Gê cansou de brincar. Não podia ser visto saindo com
o menino.
Bem
rápido como só agora ele conseguia fazer, puxou o capuz para a frente, cobrindo
a cabeça e a boca do garoto, usando uma das mãos para imobilizá-lo. Com a
outra, não precisou fazer força para levantá-lo, segurando-o atravessado sob um
dos braços, como um saco de cereais. Saiu do elevador correndo, sem ser visto,
deixando a impressão de ter sido o vento que abriu a porta da rua.
No
carro, o menino assustado, já chorando e soluçando, se deixou ser jogado no
banco traseiro, com as mãos e pés amarrados juntos pelo cordão retirado do
capuz.
— Cala
a boca, Zach. Não vou te fazer mal, somos amigos. Só vamos brincar um pouco de
agente secreto. Vou te soltar logo, para a gente comer algumas pizzas.
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