quarta-feira, 6 de janeiro de 2016

O espírito do Natal

Um recruta no espaço - Volume 4

O espírito do Natal




Introdução


São dez horas da manhã, do dia 22 de dezembro de 2228, uma segunda-feira. O Terminal de Desembarque Durban, no litoral leste do complexo conhecido como Espaçoporto de Johannesburgo, despeja pessoas como se fosse a boca aberta de um formigueiro.

O grupo de rapazes barulhentos, que segue pelas esteiras rolantes atuando como passarelas, acabou de sair de um Hummer, uma nave militar especializada em transporte de tropas, semelhante a um ônibus de superfície. São recrutas que ganharam uma semana de folga, para passar o Natal em solo, enquanto o Cruzador permanece ancorado numa doca de manutenção, em órbita geoestacionária, flutuando a dezenas de quilômetros de altitude. Para quem olha desde a superfície durante o dia, a gigantesca nave de guerra, com peso superior a quinhentas toneladas, se parece com um pássaro parado entre milhares de outros, contra o céu azul. Á noite, todos aqueles falsos pássaros se acendem e se confundem com as estrelas. O continente africano é um dos poucos que ainda permite uma visão direta do céu, talvez porque era o menos poluído quando o cataclisma cobriu todo o planeta com nuvens tóxicas, quase duzentos anos antes.

Os recrutas vão se separando, conforme chegam nas bifurcações das passarelas, cada um ansioso para encontrar logo seus parentes e amigos. Três grupos se dirigem para os Terminais que fazem ligação com os outros três espaçoportos que operam na Terra: Dallas no continente americano, Madri na Europa e Irkutski na Sibéria. Com as naves mônicas que operam no transporte local planetário, cada um estará em sua cidade natal em menos de meia hora, incluindo o tempo de baldeação nos espaçoportos, não importa em qual continente a cidade destino esteja localizada.

Somente um recruta não se dirige para nenhum Terminal de ligação. Ele já está em sua cidade natal, e prefere seguir para a área de estacionamento, onde tem uma nave particular, uma Fusca Mônica 2210, impecavelmente branca, guardada num hangar de aluguel permanente. O tempo que precisa para cobrir os 78 km de Durban até o Orfanato onde foi criado, em Pietermaritzburg, é menor do que o tempo necessário para a pequena nave-ovo, carinhosamente batizada de Eva, formar a cortina de neutrinos que a credencia a atingir a velocidade da luz.

Ele ainda não sabe que a pequena Eva será cúmplice, na arriscada operação que vai expô-lo para uma Corte Marcial, nos próximos três dias, por causa do Natal e das crianças.