Um recruta no espaço - Volume 4
O espírito do Natal
Introdução
São dez horas da manhã, do dia 22
de dezembro de 2228, uma segunda-feira. O Terminal de Desembarque Durban, no
litoral leste do complexo conhecido como Espaçoporto de Johannesburgo, despeja
pessoas como se fosse a boca aberta de um formigueiro.
O grupo de rapazes barulhentos,
que segue pelas esteiras rolantes atuando como passarelas, acabou de sair de um
Hummer, uma nave militar especializada em transporte de tropas, semelhante a um
ônibus de superfície. São recrutas que ganharam uma semana de folga, para
passar o Natal em solo, enquanto o Cruzador permanece ancorado numa doca de manutenção,
em órbita geoestacionária, flutuando a dezenas de quilômetros de altitude. Para
quem olha desde a superfície durante o dia, a gigantesca nave de guerra, com
peso superior a quinhentas toneladas, se parece com um pássaro parado entre
milhares de outros, contra o céu azul. Á noite, todos aqueles falsos pássaros
se acendem e se confundem com as estrelas. O continente africano é um dos
poucos que ainda permite uma visão direta do céu, talvez porque era o menos
poluído quando o cataclisma cobriu todo o planeta com nuvens tóxicas, quase
duzentos anos antes.
Os recrutas vão se separando,
conforme chegam nas bifurcações das passarelas, cada um ansioso para encontrar
logo seus parentes e amigos. Três grupos se dirigem para os Terminais que fazem
ligação com os outros três espaçoportos que operam na Terra: Dallas no continente
americano, Madri na Europa e Irkutski na Sibéria. Com as naves mônicas que
operam no transporte local planetário, cada um estará em sua cidade natal em
menos de meia hora, incluindo o tempo de baldeação nos espaçoportos, não
importa em qual continente a cidade destino esteja localizada.
Somente um recruta não se dirige
para nenhum Terminal de ligação. Ele já está em sua cidade natal, e prefere
seguir para a área de estacionamento, onde tem uma nave particular, uma Fusca
Mônica 2210, impecavelmente branca, guardada num hangar de aluguel permanente.
O tempo que precisa para cobrir os 78 km de Durban até o Orfanato onde foi
criado, em Pietermaritzburg, é menor do que o tempo necessário para a pequena
nave-ovo, carinhosamente batizada de Eva, formar a cortina de neutrinos que a
credencia a atingir a velocidade da luz.
Ele ainda não sabe que a pequena
Eva será cúmplice, na arriscada operação que vai expô-lo para uma Corte Marcial,
nos próximos três dias, por causa do Natal e das crianças.