quarta-feira, 7 de junho de 2017

Trecho de junho - A bruxa de Saturno

Tenho dois livros em processo de revisão numa Editora e outros dois sendo escritos. Segue um pequeno trecho de um dos novos: "A bruxa de Saturno".

"O mais estranho para mim é ver a incapacidade dos terráqueos, de interagir com outras espécies. Estariam séculos mais evoluídos se trocassem informações com os planetas vizinhos. Ao invés disso, atacam e destroem qualquer ser que não se pareça com eles mesmos, eliminando a possibilidade de qualquer contato com outras culturas. Isso justifica a primeira fase da invasão ter sido a criação de corpos semelhantes aos humanos.
As roupas que sintetizei eram compostas por um par de tênis, meias e camiseta de malha, uma calça de tecido rústico e um blusão do tipo agasalho esportivo. Tudo em cores escuras, quase preto, simulando material velho. A fibra sintética inexplicavelmente me salvou de um raio disparado por uma pistola desintegradora, quando escapei da bruxa na última visita. Foi uma experiência aterradora que não quero repetir nunca mais. Principalmente porque minha especialização em armas diz que seria impossível sobreviver. A menos que tenha sido bruxaria.
Fiz o blusão com capuz para esconder a cicatriz no rosto, visível mesmo depois que deixei crescer os cabelos. Me inspirei em imagens de cabeludos, transmitidas pela Terra, acho que nos anos sessenta. Tenho uma enorme coleção de imagens e sons, armazenados na nave, desde que os primeiros sinais de TV foram lançados ao cosmo. É de onde tiro todas as informações sobre costumes e a cultura local. Faz muito tempo que abduzir terráqueos para obter informações se tornou obsoleto. A época de dissecar corpos para aprender como são formados já se foi. Os corpos que produzimos são até melhores do que os copiados, com uma longevidade muito maior.
Vestido com as roupas sintéticas, tendo o rosto coberto pelo capuz, fechei a nave, tranquei as portas do galpão com os meus cadeados que realmente oferecem segurança e saí caminhando. Ou melhor, coxeando, já que minha perna se recusa a parar de doer.
O galpão fica ao lado dos trilhos de trem, perto da Estação Engenheiro Goulart.
Eu pensava que às quatro horas da madrugada, num frio de dezesseis graus, um vagabundo manco e cabeludo não chamaria a atenção de ninguém. Estava enganado.
Faltava duzentos metros para chegar na Estação, quando dois indivíduos me abordaram repentinamente, saindo de algum lugar que não consegui identificar.
— Ei, tiozinho! Descola um cigarro aí!
Pela voz, devia ser um adolescente. Vi muitas cenas assim nos filmes transmitidos pela TV. Até pensava que seriam apenas entretenimento, pela estupidez da atitude. Abordar um estranho com comandos imperativos, é arriscado para qualquer espécie. Tentei desconsiderar.
— Não vai dar, cara. Não tenho nenhum.
— Qual é, tio, querendo engabelar a gente? Diz o que tem aí. Baseado, pó, uma branquinha. Duvido que não tem nada.
— Olha, menino. Acabei de chegar por aqui e ainda não consegui nada mesmo.
Um deles permaneceu na minha frente, enquanto o segundo caminhou em direção das minhas costas, carregando alguma coisa, mas na escuridão não identifiquei o que era. O primeiro insistiu:
— Sabe o que acontece com vagabundos sem nada? A gente joga álcool e põe fogo. Vai tirando o tênis e o blusão, coroa, não vou sair no prejú.
Quando o sujeito investiu pretendendo arrancar meu agasalho, o segurei pelos pulsos e o girei rapidamente, trocando de lugar, no exato momento em que o segundo desferia um golpe dirigido a mim, com a barra de ferro que estava segurando. A barra atingiu as costelas do próprio amigo, caindo com o corpo dobrado e tentando gritar, mas só conseguindo emitir grunhidos, sem fôlego.
Não gosto de esticar assuntos inúteis. Saquei a pistola e disparei um único tiro no peito do que estava com a barra. Após o flash instantâneo, as cinzas dele se espalharam pelo chão.
O outro devia estar com algumas costelas quebradas. Se retorcia de dor rolando no cascalho, grunhindo palavras desconexas. Tinha os olhos arregalados na minha direção, suponho que por nunca antes ter visto uma desintegração. Foi minha vez de questionar:
— E você, o que tem para mim?
Ainda se retorcendo, o sujeito começou a enfiar as mãos nos bolsos e a tirar objetos que jogava ou deixava cair na minha direção. Um canivete, uma seringa, algo que devia ser um cachimbo e algumas notas de dinheiro.
Peguei o canivete e o dinheiro. O resto do lixo atirei de volta sobre ele, antes de disparar o segundo tiro. O vento se encarregou de espalhar o pó que restou dos dois corpos.
Continuei até a estação que acabara de abrir, entrando junto com os primeiros passageiros. Usei o dinheiro para pagar a passagem.

Não gosto de fazer nada ilegal, ou algo para o qual não tenha sido treinado. A menos que seja condição de sobrevivência."