Tenho dois livros em processo de revisão numa Editora e outros dois sendo escritos. Segue um pequeno trecho de um dos novos: "A bruxa de Saturno".
"O mais estranho
para mim é ver a incapacidade dos terráqueos, de interagir com outras espécies.
Estariam séculos mais evoluídos se trocassem informações com os planetas
vizinhos. Ao invés disso, atacam e destroem qualquer ser que não se pareça com
eles mesmos, eliminando a possibilidade de qualquer contato com outras culturas.
Isso justifica a primeira fase da invasão ter sido a criação de corpos
semelhantes aos humanos.
As roupas que
sintetizei eram compostas por um par de tênis, meias e camiseta de malha, uma
calça de tecido rústico e um blusão do tipo agasalho esportivo. Tudo em cores
escuras, quase preto, simulando material velho. A fibra sintética
inexplicavelmente me salvou de um raio disparado por uma pistola desintegradora,
quando escapei da bruxa na última visita. Foi uma experiência aterradora que
não quero repetir nunca mais. Principalmente porque minha especialização em
armas diz que seria impossível sobreviver. A menos que tenha sido bruxaria.
Fiz o blusão com
capuz para esconder a cicatriz no rosto, visível mesmo depois que deixei
crescer os cabelos. Me inspirei em imagens de cabeludos, transmitidas pela
Terra, acho que nos anos sessenta. Tenho uma enorme coleção de imagens e sons,
armazenados na nave, desde que os primeiros sinais de TV foram lançados ao
cosmo. É de onde tiro todas as informações sobre costumes e a cultura local.
Faz muito tempo que abduzir terráqueos para obter informações se tornou
obsoleto. A época de dissecar corpos para aprender como são formados já se foi.
Os corpos que produzimos são até melhores do que os copiados, com uma
longevidade muito maior.
Vestido com as
roupas sintéticas, tendo o rosto coberto pelo capuz, fechei a nave, tranquei as
portas do galpão com os meus cadeados que realmente oferecem segurança e saí
caminhando. Ou melhor, coxeando, já que minha perna se recusa a parar de doer.
O galpão fica ao
lado dos trilhos de trem, perto da Estação Engenheiro Goulart.
Eu pensava que às
quatro horas da madrugada, num frio de dezesseis graus, um vagabundo manco e
cabeludo não chamaria a atenção de ninguém. Estava enganado.
Faltava duzentos
metros para chegar na Estação, quando dois indivíduos me abordaram
repentinamente, saindo de algum lugar que não consegui identificar.
— Ei, tiozinho!
Descola um cigarro aí!
Pela voz, devia
ser um adolescente. Vi muitas cenas assim nos filmes transmitidos pela TV. Até
pensava que seriam apenas entretenimento, pela estupidez da atitude. Abordar um
estranho com comandos imperativos, é arriscado para qualquer espécie. Tentei
desconsiderar.
— Não vai dar,
cara. Não tenho nenhum.
— Qual é, tio,
querendo engabelar a gente? Diz o que tem aí. Baseado, pó, uma branquinha.
Duvido que não tem nada.
— Olha, menino.
Acabei de chegar por aqui e ainda não consegui nada mesmo.
Um deles
permaneceu na minha frente, enquanto o segundo caminhou em direção das minhas
costas, carregando alguma coisa, mas na escuridão não identifiquei
o que era. O primeiro insistiu:
— Sabe o que
acontece com vagabundos sem nada? A gente joga álcool e põe fogo. Vai tirando o
tênis e o blusão, coroa, não vou sair no prejú.
Quando o sujeito
investiu pretendendo arrancar meu agasalho, o segurei pelos pulsos e o girei
rapidamente, trocando de lugar, no exato momento em que o segundo desferia um
golpe dirigido a mim, com a barra de ferro que estava segurando. A barra
atingiu as costelas do próprio amigo, caindo com o corpo dobrado e tentando gritar, mas só
conseguindo emitir grunhidos, sem fôlego.
Não gosto de
esticar assuntos inúteis. Saquei a pistola e disparei um único tiro no peito do
que estava com a barra. Após o flash instantâneo, as cinzas dele se espalharam
pelo chão.
O outro devia
estar com algumas costelas quebradas. Se retorcia de dor rolando no cascalho,
grunhindo palavras desconexas. Tinha os olhos arregalados na minha direção,
suponho que por nunca antes ter visto uma desintegração. Foi minha vez de
questionar:
— E você, o que
tem para mim?
Ainda se
retorcendo, o sujeito começou a enfiar as mãos nos bolsos e a tirar objetos que
jogava ou deixava cair na minha direção. Um canivete, uma seringa, algo que
devia ser um cachimbo e algumas notas de dinheiro.
Peguei o canivete
e o dinheiro. O resto do lixo atirei de volta sobre ele, antes de disparar o
segundo tiro. O vento se encarregou de espalhar o pó que restou dos dois
corpos.
Continuei até a
estação que acabara de abrir, entrando junto com os primeiros passageiros. Usei
o dinheiro para pagar a passagem.
Não gosto de fazer
nada ilegal, ou algo para o qual não tenha sido treinado. A menos que seja condição
de sobrevivência."