Me aventurando em um novo gênero: Crônica do Cotidiano.
Deu galho
O
dia prometia. Uma segunda feira ensolarada, sem chuva, com previsão de trinta
graus para depois do almoço. Deixei minha casa ás sete da manha, com o espirito
preparado para passar os próximos oitenta minutos dentro do carro. Uma hora e
vinte para percorrer dezoito quilômetros é uma média aceitável para o trânsito
paulistano, em qualquer segunda-feira.
Os
primeiros dois terços do trajeto foram normais, no anda-e-para tradicional. No
terço final, o para se sobrepôs ao anda. Decidi que não vale a pena me
estressar. Continuei dirigindo com o ar condicionado ligado, ouvindo as ultimas
noticias do fim de semana, quase cem por cento relacionadas a política. Não
que eu goste, mas é que preciso me municiar de informações para poder conversar
com outras pessoas, já que este é o assunto do momento.
Segui
o ritmo que me foi imposto. Cheguei na minha mesa de trabalho ás oito e
quarenta, meia hora depois do que havia planejado e com apenas dez minutos de
atraso, fácil de compensar antes de voltar para casa à noite.
Quando
olhei pela janela, entendi o motivo do trânsito confuso. Na grande Avenida
visível quando levanto a persiana, havia uma arvore atravessada, na pista
contrária àquela por onde eu cheguei. Se
fosse do mesmo lado, provavelmente eu não teria chegado ainda.
Nas
horas seguintes pude observar o andamento da operação para salvar a cidade.
Sim, São Paulo inteira corre perigo quando uma coisa assim acontece, por ser
uma Metrópole, por ser segunda de manha, e pela importância da Avenida que liga
dois lados da cidade, o norte e o sul, e ajuda a desafogar os outros dois
lados, o leste e o oeste.
Conversando
com os colegas soube que a queda do galho ocorreu por volta das oito horas, sem
motivo aparente. Quando comecei a observar, os bombeiros já cercavam o galho
com três caminhões de bombeiros e uma viatura de resgate. Viaturas da polícia
de transito tentavam organizar o caos reinante. Soube mais tarde que o resgate
foi para socorrer um motoqueiro agredido pelo galho, no momento da queda dos
dois. Só ferimentos leves, nada de grave, pelo menos para o motoqueiro. O galho
foi diagnosticado como morto, apesar de estar cheio de folhas verdes.
Outros
veículos oficiais continuaram chegando, com sirenes ligadas, a única forma de
passar pelo engarrafamento caótico. Mais bombeiros, mais policiais de transito
e mais funcionários da prefeitura, vestidos de laranja, o uniforme da limpeza
pública.
Na
hora seguinte assisti uma operação sincronizada entre três órgãos do serviço
público, atendendo a uma emergência municipal. Bombeiros usando suas
motosserras para picotar os galhos, os profissionais da limpeza arrastando os
pedaços para a calçada, enquanto os policiais militares impediam o tráfego de
veículos protegendo a todos. Depois de arrastar todos os galhos, os
trabalhadores usando roupas laranja pegaram vassouras e começaram a varrer as
folhas, completando a função de cada grupo.
De
longe, pude ver um grupo de policiais com uniformes escuros aguardando enquanto
os vestidos de laranja trabalhavam. Me lembrei das notícias ouvidas no rádio, todas com
foco em política. Na mente de algumas pessoas, poderia parecer que feitores
estavam subjugando escravos. Os militantes mais fanáticos com certeza veriam
chicotes nas mãos da elite uniformizada opressora, explorando a classe pobre,
obrigada a varrer ruas.
Em
outros pontos da cidade, é provável que estejam sendo organizadas manifestações
de protestos contra o trânsito, com quebradeira de ônibus, queima de pneus e
bloqueio de avenidas e ruas importantes. Afinal, militantes se auto atribuem o
direito de bloquear ruas, mas árvores não podem fazer isto.
A
única coisa útil que estes supostos manifestantes poderiam dizer, é que todo o
problema desta manha de segunda poderia ter sido evitado, com uma simples poda
de arvores, preventiva. É possível encontrar galhos suicidas antes que eles
morram. Mas nenhum militante falará disso, enquanto o prefeito for do partido
deles.
O
trabalho continuou por mais duas horas. Aproveitando a situação, os bombeiros
decidiram por adiantar o suicídio de outros galhos em potencial. Fizeram a poda
de mais algumas árvores.
O
suficiente para encher quatro caminhões da prefeitura.
Distraído
com o trabalho, não vi quando os caminhões partiram. Com certeza foi um cortejo
fúnebre, com quatro caminhões entupidos com os restos mortais de vários galhos
e muitas folhas verdes.
O
saldo final de tudo isto não é muito agradável. Militantes comemoram o prejuízo
imposto aos patrões, que por sua vez amargam a perda dos negócios que abririam
a semana. Empregados amargam as horas e talvez o domingo descontado, por causa
dos atrasos. Alguns perderam consultas médicas, entrevistas de emprego ou o
próprio emprego. A cidade toda perde com fatos assim, embora a maioria nem
perceba.
Só
quem lucra é a imprensa sensacionalista: "Mais uma vez a cidade parou, por
causa de uma queda de árvore, numa manha sem chuva e sem raios."
Tudo por culpa de uma árvore que desistiu de fornecer sombra e se suicidou, ao se atirar contra um motoqueiro, bem no meio de uma
movimentada Avenida.