Capítulo 3 - Polícia Montada
Susan detesta banheiros de avião. Mas não
pode negar que se sentia muito mais confortável quando saiu do
cubículo, com a pistola especial alojada de volta na cartucheira
presa na coxa.
Quando não estava armada ou enquanto a pistola
estivesse descarregada ela se sentia completamente nua, não importa
que roupa estivesse usando. Nunca gostou de chamar a atenção, mesmo
sendo uma morena clara de 1,70, cabelos longos e negros, lábios
carnudos geralmente com pouco batom, apenas o suficiente para
combinar com a maquiagem leve. Neste momento vestia uma saia folgada
preta, que ia até os joelhos, uma blusa de algodão azul clara, um
casaco leve e botas curtas. Se algum peludo se atrevesse a estar no
mesmo avião, seria fácil sacar a pistola e acertar duas pequenas
balas de prata de calibre .22, bem entre os olhos da besta.
Tiros certeiros são sua especialidade. Com
vinte e oito anos de idade, fazia cinco que mantinha o título de
Campeã de Tiro da RCMP, a Royal
Canadian Mounted Police, não apenas
atirando com pistolas, mas também com rifles de longa distancia.
Isto já era suficiente para lhe dar o direito de viajar armada, mas
suas pistolas e rifles precisam seguir no compartimento de cargas do
avião, embora ela preferisse tê-los sempre á mão. Estava sempre
viajando para novas competições, representando a organização
considerada como a melhor polícia do mundo.
Desafiava todos os protocolos, trazendo a
pequena Glock especial dentro do avião, uma pistola de polímeros
plásticos invisível aos Raios X, única no mundo e feita sob
encomenda. Mas tinha que entrar com sua preciosidade descarregada,
porque a munição não era indetectável. Para contornar o problema,
embarcava com duas balas de prata escondidas nos brincos, disfarçadas
de pingentes. Depois que o avião decolava, sempre precisava ir ao
banheiro, para carregar a pistola e devolvê-la para a cartucheira de
silicone presa na coxa.
Seguia esta rotina apenas porque estava numa
missão não oficial. Missões oficiais permitiam que ela viajasse
com o uniforme de Tenente da Policia Montada, levando armas na
cintura. Mas desta vez não era o caso.
Lembrava-se da conversa que teve pela manhã. A
intendente apareceu na sala logo depois que ela chegou da caserna,
voltando do café da manhã:
- Susan, o Superintendente Eagles está te
chamando, na sala dele.
- Disse do que se trata, Marjorie?
- Não, mas me pareceu bastante agitado.
- Lá vem bomba. Obrigada.
As duas trabalhavam juntas há tantos anos que
muitas vezes esqueciam o protocolo, se tratando pelo primeiro nome.
Susan não podia deixar o Superintendente esperando. Imediatamente
atendeu à convocação.
- Mandou me chamar, papai?
Quando não havia mais ninguém na sala, pai e
filha podiam se tratar sem formalidades, quase esquecendo que ambos
eram oficiais.
- Sente-se Susan. Tenho uma missão para você.
Seu avião parte esta noite.
- Oba, faz tempo que não passeio um pouco. Voo
noturno? Para onde a RCMP vai me mandar agora?
- Não é uma missão da RCMP. Você vai como
Hunter.
Susan ficou séria na hora. Além de Polícia
Montada, ela e o pai também são integrantes da Lycan Hunters, uma
divisão secreta da RCMP especializada em combate a lobisomens.
- O que está acontecendo, papai?
- Lembra quando te contei do lugar chamado Mar
de Arvores?
- Sim, uma floresta no Japão que provavelmente
esconde uma matilha muito antiga. Muitos corpos são encontrados lá
todos os anos.
- Exato. Temos um agente infiltrado na equipe
que vasculha a floresta e ele nos contactou há três dias. Disse que
ouviu uma estória sobre corpos semi devorados aparecendo no centro
de Tóquio.
- Então acha que os peludos estão migrando
para uma floresta de concreto?
- Tem mais: são corpos secos. O sangue foi
retirado antes de serem devorados.
- Como assim? Nunca ouvi falar que os peludos
adotassem uma dieta deste tipo.
- Conversei com Shokiro, o comandante dos
Hunters no Japão. Ele confirmou os boatos. Ele sugeriu que pode
haver alguma ligação entre os peludos de lá e vampiros.
- Impossível, são inimigos mortais.
- Se estão agindo na mesma área vamos ter
problemas. Ou pode ser apenas coincidência, pois lupinos nunca se
sujeitariam a ficar com sobras. Shokiro conhece uma agente dos
Caçadores de Vampiros, uma russa que atua por lá. Já trabalharam
juntos em alguma coisa no passado. Ele pediu ajuda para a agencia
dela. Responderam prontamente.
- Então devo ir ao Japão esclarecer essa
coisa toda.
- Não, você vai para o Brasil. A tal agencia
disse que enviaria agentes locais para colaborar na investigação em
Tóquio, e pediram uma reunião entre nosso melhor especialista em
lupinos e a melhor especialista em vampiros que eles tem. O encontro
será em São Paulo.
- Do nosso lado sou eu?
- Eu mandaria o Michael, mas ele ainda está
ocupado com os peludos da Colômbia. Não queria te envolver com
vampiros.
- Posso me virar, papai. E na volta ainda posso
passar na Amazônia e socorrer meu irmãozinho.
- Michael te mata se você aparecer por lá...
Mas como te conheço, vou preveni-lo da possibilidade...
Depois da conversa ela teve bastante tempo para
arrumar suas malas, incluindo um conjunto de pistolas e rifles
acompanhados de muita munição de prata pura, extraídas das minas
canadenses de propriedade da família. Do quartel seguiu direto para
o Aeroporto Toronto Pearson,
para embarcar quase ás 23 horas. A previsão era voar mais de dez
horas, num voo da Air Canada
direto para São Paulo.
Aproveitou o tempo no aeroporto antes do
embarque para pesquisar sobre a tal especialista.
Seu pai disse que o nome da mulher é Alana
Ghosten. Deveria ser alguma escritora ou jornalista, cheia de
publicações sobre o assunto, mas ficou frustrada quando não
encontrou nenhuma referência, sobre assunto nenhum.
Ficou imaginando se aquele seria um codinome
para alguma agente secreta. Podia indicar que a agencia dos
Caça-Vampiros é organizada. Imaginou a mulher como uma velhinha de
óculos, toda enrugada, uma devoradora de livros, tipo aquelas
secretárias de bibliotecas que se veem nos filmes.
O avião pousou no Aeroporto
Internacional de Guarulhos quase ao
meio dia, com duas horas de atraso, sob um sol abrasador, muito mais
quente do que ela estava acostumada. Por sorte trouxe óculos
escuros. Demorou mais de meia hora para recuperar sua bagagem e se
dirigir para a área de desembarque.
Imaginou que a agencia enviaria alguém para
recebê-la, mas ficou surpresa quando viu a menina segurando um
cartaz improvisado onde se lia "Miss Eagles". Era uma jovem
japonesinha muito bonita aparentando uns vinte e poucos anos. Deve
ser a secretária da velhinha que provavelmente tem alguma
dificuldade para se locomover.
Seguiu na direção da menina e ao chegar a um
metro dela, se apresentou:
- Susan Eagles.
Ficou pasma quando a garota respondeu, em
perfeito inglês, lhe oferecendo um sorriso encantador:
- Welcome to São Paulo, Miss Eagles. I am
Alana Ghosten, your hostess. Can I call you just Susan?
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