O casal de Sabiás
São Paulo é cheia de contrastes. A enorme Metrópole poluída e congestionada,
que nunca para, também nos reserva surpresas. A de hoje foi um casalzinho de
Sabiás Laranjeira, ciscando no canteiro central da Radial Leste, uma das
avenidas mais problemáticas da cidade, completamente indiferentes aos carros e
ao trânsito pesado.
Me chamou a atenção a atitude do casal. Como sei
que formavam um casal, ao invés de dois machos ou duas fêmeas? Simples, eles estavam
sem nenhum telefone celular, sem Internet e nem WhatsApp. São duas avezinhas
rodando o firmware original, instalado pelos anjos durante a criação. Dois
seres não incluídos digitalmente, portanto não contaminados pelas neuras dos
humanos.
Nem mesmo se importam quando os chamo de duas
avezinhas.
O canteiro teve a grama podada recentemente, o
que permitiu que eu os visse, e está cheio de pedaços de folhas soltas e
resíduos deixados pela cortadeira. O senhor Sabiá me pareceu estar procurando
pelas melhores folhas soltas, evidentemente planejando levá-las para
confeccionar um ninho. A senhora Sabiá apenas observava, sugerindo ser uma
noiva atenta, escolhendo os azulejos que vão decorar o novo apartamento do
casal. Havia muitas opções no enorme Shopping de construção civil em que o
canteiro se transformou.
Na minha deturpada cabeça humana fiquei
imaginando se agiriam da mesma forma se fossem dois machos. Provavelmente
estariam brigando, competindo para ver quem consegue a grama ou o galho maior.
Depois qual dos dois seria o construtor do ninho. Depois partiriam para
analisar outros ninhos, procurando por um ovo disponível para adoção. Duas
fêmeas agiriam de forma parecida. Discutindo formas e cores da grama, qual
combina melhor com as penas das duas ou onde encontrar o galho mais alto para o
ninho, sem nunca chegar a um acordo.
Já disse, tenho Internet e WhatsApp, eu sei das
coisas. Embora não tenha nada a ver com a opinião de ninguém, muito menos de
Sabiás. Por sorte, nossa e delas, as avezinhas não sabem que podem escolher
outros jeitos de levar a vida. Continuam agindo da mesma forma que faziam desde
o Éden. Ou desde a Arca de Noé, para quem não consegue enxergar tão longe.
Só passar ao lado do casalzinho, ambos com os
peitos alaranjados estufados, orgulhosos com a própria liberdade que lhes
permite planejar o futuro, me fez um bem enorme. Ainda existe esperança neste
nosso mundo poluído e barulhento.
Talvez para nós, os humanos, seja interessante
trocar um pouco de inclusão digital pelos conceitos esquecidos, deixados lá na
Arca do Noé.
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