terça-feira, 12 de abril de 2016

O casal de sabiás




O casal de Sabiás


São Paulo é cheia de contrastes.  A enorme Metrópole poluída e congestionada, que nunca para, também nos reserva surpresas. A de hoje foi um casalzinho de Sabiás Laranjeira, ciscando no canteiro central da Radial Leste, uma das avenidas mais problemáticas da cidade, completamente indiferentes aos carros e ao trânsito pesado.
Me chamou a atenção a atitude do casal. Como sei que formavam um casal, ao invés de dois machos ou duas fêmeas? Simples, eles estavam sem nenhum telefone celular, sem Internet e nem WhatsApp. São duas avezinhas rodando o firmware original, instalado pelos anjos durante a criação. Dois seres não incluídos digitalmente, portanto não contaminados pelas neuras dos humanos.
Nem mesmo se importam quando os chamo de duas avezinhas.
O canteiro teve a grama podada recentemente, o que permitiu que eu os visse, e está cheio de pedaços de folhas soltas e resíduos deixados pela cortadeira. O senhor Sabiá me pareceu estar procurando pelas melhores folhas soltas, evidentemente planejando levá-las para confeccionar um ninho. A senhora Sabiá apenas observava, sugerindo ser uma noiva atenta, escolhendo os azulejos que vão decorar o novo apartamento do casal. Havia muitas opções no enorme Shopping de construção civil em que o canteiro se transformou.
Na minha deturpada cabeça humana fiquei imaginando se agiriam da mesma forma se fossem dois machos. Provavelmente estariam brigando, competindo para ver quem consegue a grama ou o galho maior. Depois qual dos dois seria o construtor do ninho. Depois partiriam para analisar outros ninhos, procurando por um ovo disponível para adoção. Duas fêmeas agiriam de forma parecida. Discutindo formas e cores da grama, qual combina melhor com as penas das duas ou onde encontrar o galho mais alto para o ninho, sem nunca chegar a um acordo.
Já disse, tenho Internet e WhatsApp, eu sei das coisas. Embora não tenha nada a ver com a opinião de ninguém, muito menos de Sabiás. Por sorte, nossa e delas, as avezinhas não sabem que podem escolher outros jeitos de levar a vida. Continuam agindo da mesma forma que faziam desde o Éden. Ou desde a Arca de Noé, para quem não consegue enxergar tão longe.
Só passar ao lado do casalzinho, ambos com os peitos alaranjados estufados, orgulhosos com a própria liberdade que lhes permite planejar o futuro, me fez um bem enorme. Ainda existe esperança neste nosso mundo poluído e barulhento.

Talvez para nós, os humanos, seja interessante trocar um pouco de inclusão digital pelos conceitos esquecidos, deixados lá na Arca do Noé.

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